GOSTO DE MILLÔR

Supermercado Millôr – ANO I – N.º 1

Autobiografia de mim mesmo à maneira de mim próprio

E lá vou eu de novo, sem freio nem pára-quedas. Saiam da frente, ou debaixo que, se não estou radioativo, muito menos estou radiopassivo. Quando me sentei para escrever vinha tão cheio de idéias que só me saíam gêmeas, as palavras – reco-reco, tatibitati, ronronar, coré-coré, tom-tom, rema-rema, tintim-por-tintim. Fui obrigado a tomar uma pílula anticoncepcional. Agora estou bem, já não dói nada.

Quem é que eu sou? Ah, que posso dizer? Como me espanta! Já não se fazem Millôres como antigamente! Nasci pequeno e cresci aos poucos. Primeiro me fizeram os meios e, depois as pontas. Só muito tarde cheguei aos extremos. Cabeça, tronco e membros, eis tudo. E não me revolto. Fiz três revoluções, todas perdidas. A primeira contra Deus, e Ele me venceu com um sórdido milagre. A Segunda com o destino, e Ele me bateu, deixando-me só com seu pior enredo. A terceira contra mim mesmo, e a mim me consumi, e vim parar aqui.

Vêem o que sou? E onde estou? E por que foi? Ah, sim, Millôr, é o que eu dizia. Nasci no Meyer, aos nove anos de idade, onde é que já ouvi isso? Aqui estou porém, tão magro e tonto, vago e preocupado: no escuro não enxergo, não entendo do que não sei, paro onde me detenho, vou e volto cheio de saudades. Pois, se fico, anseio pelo desconhecido. Se parto, rói-me a separação.

(…) Dou um boi pra não entrar numa briga. Dou uma boiada pra sair dela. Aos dez anos de idade vendi meu primeiro desenho pra jornal e me tornei alvo da admiração geral (minha mãe e minha avó). Aos quinze já era famoso em várias partes do mundo, todas elas no Brasil. Pois sou popular por natureza, por mais que me esforce pra ser hermético e profundo. Se eu chego e digo que achei um ninho de mafagafos com sete mafagafinhos, todos percebem logo que quem os desmafagafizar bom desmafagafizador será.

(…) Sou um crente, pois creio firmemente na descrença. Não creio em Deus, mas sei que Ele crê em mim. Creio que a Terra é chata. Procuro em vão não sê-lo.

(…) Apesar da escola, sou basicamente, um autodidata. Tudo que não sei sempre ignorei sozinho. Nunca ninguém me ensinou a pensar, a escrever ou a desenhar, coisa que se percebe facilmente, examinando qualquer dos meus trabalhos.

A esta altura da vida, além de descendente e vivo, sou, também, antepassado. É bem verdade que, como Adão e Eva, depois de comerem a maçã, não registraram a idéia, daí em diante qualquer imbecil se achou no direito de fazer o mesmo. Só posso dizer, em abono meu, que ao repetir o Senhor, eu me empreguei a fundo. Em suma: um humorista nato. Muita gente, eu sei, preferiria que eu fosse um humorista morto, mas isso virá a seu tempo. Eles não perdem por esperar.

Fonte: http://www.releituras.com/millor_bio.asp

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