Desenhos, cartas, diários, contos, poemas e romance: esse é o material que constitui a produção artística e biográfica da poeta estadunidense Sylvia Plath (1932-1963). Uma das mais importantes poetas do século XX, ela estaria com 87 anos de idade, não fosse sua morte precoce, aos 30. Cedo, Plath demonstrou talento nas artes, especialmente na literatura. Em vida, publicou a coleção de poemas The Colossus and Other Poems (1960) e, sob o pseudônimo Victoria Lucas, o romance The Bell Jar (1963), conhecido no Brasil como A redoma de vidro. Meses antes de morrer, escreveu seus poemas mais aclamados, reunidos postumamente em Ariel (1965).
No período mais intenso da produção poética e carreira literária, Plath suicidou-se. Em sua história, enfrentou experiências pessoais dolorosas, como a morte do pai quando ela era criança, o período em que esteve internada num hospital psiquiátrico, aos 20, tendo sido “tratada” contra a depressão por meio de eletrochoques, e sua separação do poeta inglês Ted Hughes (1930-1998), com quem havia sido casada e teve dois filhos, Frieda e Nicholas. Hughes foi o responsável pela primeira edição de Ariel, tendo retirado 13 dos poemas deixados organizados pela poeta, e somente anos mais tarde o público pôde conhecer a sua versão original.

A fortuna crítica referente a Sylvia Plath é extensa e, até hoje, sua vida e obra despertam interesse de estudantes de literatura e pesquisadores/as nacionais e internacionais. Para a crítica literária Marjorie Perloff, o poema que abre Ariel, “Morning Song” (Canção da Manhã), “é um bom exemplo de como a autobiografia pode tornar-se arte”. Do mesmo modo, “Tulips” exemplifica como Plath manipulava a linguagem poética de modo consciente, maduro e inteligente. Num dos versos de “Elm”, a persona poética diz: “Sou habitada por um grito”.
Na edição de 10 de agosto de 1941, quando Plath tinha 8 anos, o jornal The Boston Herald publicou o seu primeiro poema, intitulado “Poem”. Já aos 18, a jovem poeta sentia os dilemas de sua condição de mulher numa sociedade patriarcal e machista. Isso está evidente, inclusive, em seus diários. De maneira ambivalente, ela mesma não conseguia se desvencilhar totalmente dos padrões de comportamentos vigentes na década de 1950, nos Estados Unidos. Suas cartas foram reunidas no livro Letters Home (1975), editado por sua mãe, Aurelia Schober Plath (1906-1994).

Da autora, também são Crossing the Water (1971), o livro de contos Johnny Pannic and the Bible of Dreams (1977) e The Collected Poems (1981), vencedor do Prêmio Pulitzer de Poesia no ano seguinte. No Brasil, temos Desenhos (2014), com textos traduzidos pela poeta portuguesa Matilde Campilho; Os diários de Sylvia Plath (2017), organizados por Karen V. Kukil e traduzidos por Celso Nogueira; e o conto Mary Ventura e o Nono Reino (2019), tradução de Bruna Beber: “— Mas o que é esse Nono Reino? — exclamou Mary, petulante, o rosto angustiado, como se estivesse prestes a desfazer-se em lágrimas. — O que há de tão terrível no Nono Reino?”.
Aos 26, Sylvia Plath registrou em diários: “Preciso usar meu cérebro no mundo, e não somente em casa, em coisas pessoais”. Mas foi a sua produção poética que a alçou ao cânone da literatura moderna. “Daddy”, “Lady Lazarus”, “Lesbos” e “Fever 103°” são alguns outros poemas de Ariel, cuja edição mais recente no Brasil foi traduzida por Rodrigo Garcia Lopes e Cristina Macedo. Em Lady Lazarus, por exemplo, a poeta escreve: “Regresso em plena luz do sol/ Ao mesmo local, ao mesmo rosto, ao mesmo grito/ Aflito e brutal”.
Apresento agora a tradução de Maria Fernanda Borges do poema “Words”, integrante da edição bilíngue de Ariel, de Sylvia Plath; logo em seguida, há a sua versão original:
Palavras
Machados,
Após cada pancada sua a madeira range,
E os ecos!
São os ecos que viajam
Do centro para fora como cavalos.
A seiva
Brota como lágrimas, como a
Água a esforçar-se
Por recompor o seu espelho
Sobre a rocha
Que pinga e se transforma,
Uma caveira branca
Comida pelas ervas daninhas.
Anos mais tarde
Encontro-as no caminho ---
Palavras secas e indomáveis,
Infatigável som de cascos no chão.
Enquanto
Do fundo do charco estrelas fixas
Governam uma vida.
Words
Axes
After whose stroke the wood rings,
And the echoes!
Echoes travelling
Off from the center like horses.
The sap
Wells like tears, like the
Water striving
To re-establish its mirror
Over the rock
That drops and turns,
A white skull,
Eaten by weedy greens.
Years later I
Encounter them on the road —
Words dry and riderless,
The indefatigable hoof-taps.
While
From the bottom of the pool, fixed stars
Govern a life.
Referência
PLATH, Sylvia. Ariel. Trad. Maria Fernanda Borges. Lisboa: Relógio D’Água, 1996, pp. 172 e 173.
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Este texto foi publicado originalmente na edição nº 34, Ano X, do Jornal Rima – DF, da Academia Planaltinense de Letras, Artes e Ciências (Aplac), referente ao trimestre jan., fev. e mar. 2020. Resume informações da vida e obra de Sylvia Plath.
Foto em destaque: Acervo pessoal
Estou lendo. Plath me faz lembrar aqui no Brasil de Ana Cristina Cezar. Plath, pelo que tenho percebido, fica mais clara em seus poemas quando se tem conhecimento de sua biografia. Sem a biografia o que sentimos é um grito agudo que estilhaça uma janela. Mas capaz, talvez, de colá-la com a tessitura de sua vida. Única possibilidade de trazer alguma coerência e contenção poética, mesmo havendo toda uma carga lírica que se pretende evadir sem contornos e limites. É um movimento de expansão e contração. De singularidade e pluralidade. Seus poemas, enfim, se fazem e desfazem constantemente. Separando e juntando peças. Gritando e silenciando inconscientemente. Excelente poeta.
Olá, Ivo! Primeiramente, obrigada pela visita e pelo comentário deixado aqui no meu site! Sim, você não está equivocado: há aproximações entre ambas as poetas, inclusive, a professora Anélia Pietrani (UFRJ) publicou um livro, fruto de sua tese de doutorado, que se chama “Experiência do limite: Ana Cristina Cesar e Sylvia Plath entre escritos e vividos” (EdUFF, 2009). Em seu texto de abertura, a autora até brinca com uma frase famosa e diz: “Há mais coisas entre a poesia de Ana Cristina Cesar e a de Sylvia Plath do que pode sonhar nossa vã capacidade crítica” (p. 15). Quanto a Plath, eu penso que biografia e obras são essenciais para compreendermos melhor a excelência de sua voz poética.