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Eles eram mitos e cavalos
por Aline Menezes*

Aprendi com minhas irmãs mais novas que os bichos são tão especiais quanto os seres humanos, pois a vida – no sentido mais abrangente e filosófico de todos – não está limitada a valores antropocêntricos. Aprendi com minha irmã Cecília que as plantas, as árvores e as aves podem ser tão poéticas quanto os versos de autoras brilhantes. Aprendi, inclusive, que a beleza da nossa existência no mundo não está apenas naquilo que podemos tocar com as mãos, com o corpo; antes, é o que sentimos com a inteligência, com a alma e com a sensibilidade que mais importa.

Por ter aprendido isso, aprendi também que as mulheres são tão importantes quanto os homens. É por isso que hoje – mais do que nunca – quero saber o que elas pensam, o que elas escrevem, o que elas teorizam, o que elas cantam, o que elas descobrem cientificamente, o que elas produzem, o que elas são, o que elas sofrem. Todas nós fomos introduzidas numa sociedade em que transforma o pênis em quase uma entidade sagrada e a vagina em tabu, numa sociedade que supervaloriza o que os homens fazem e menospreza o que as mulheres pensam ou o que elas sentem.

Cansada de ler somente literatura e teoria literária produzida por homens, de assistir apenas a filmes dirigidos por homens, de ouvir exclusivamente opiniões de homens, de comprar predominantemente livros e adquirir CDs com músicas tocadas, cantadas e compostas por homens, de bajular homens, de dar importância ao que os homens acham ou deixam de achar a meu respeito, aprendi o significado e a decisão fundamental de incluir em minhas leituras, em minhas listas musicais, em meus ingressos para o cinema e em minhas escolhas políticas a voz das mulheres.

Essa minha postura de ampliar meus acervos, acessos e experiências no mundo, permitindo-me enxergar a mim mesma na vivência de outras mulheres, não é resultado de uma suposta “aversão” aos homens, como algumas pessoas costumam dizer covardemente em relação às feministas, muito menos tem a ver com decepções amorosas, conforme opiniões heteronormativas e falocêntricas. Essa decisão é fruto da minha condição de mulher, que me obriga a pensar eticamente e a refletir sobre todas as formas de dominação masculina e de silenciamento às quais fomos submetidas ao longo da história da humanidade. E de como eu não quero mais ser cúmplice disso.

Mulheres e homens são igualmente importantes. Mas é que me ensinaram antes que os homens deveriam mandar, e as mulheres deveriam obedecer. É que me ensinaram antes que aos homens devíamos servidão; às mulheres, devíamos competição. É que me ensinaram antes que o que os homens fazem é extraordinário, e o que elas fazem é ordinário demais para ser levado a sério. É que me ensinaram que as “putas”, “vadias” e “vagabundas” não são pessoas e, por isso, merecem ser assassinadas. É que me ensinaram que os homens, ainda que batam em “suas” mulheres, merecem uma segunda chance. Porque fomos nós quem os deixamos nervosos e violentos demais para isso.

É que sutilmente me disseram que eles eram melhores, mas descobri que esses “eles” eram mitos, e que – na verdade – eles merecem tanto respeito quanto os cavalos. E os cavalos aqui não são uma metáfora, muito menos conotam algo desprezível relacionado à brutalidade masculina como se costuma fazer em relação ao aprendizado ou à experiência sexual feminina. Assim, graças ao ativismo de minhas irmãs mais novas, aprendi que galinhas, vacas, piranhas e outros bichos são tão importantes quanto os seres humanos. Que mulheres e homens são igualmente significativos no mundo, mas muito menos do que as anêmonas e os plânctons o são para o ecossistema.

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*Aline Menezes é jornalista, professora e doutoranda em Literatura e Práticas Sociais pela Universidade de Brasília (UnB).

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