?Quem fala? Quem escreve? Falta-nos ainda uma sociologia da palavra. O que sabemos é que a palavra é um poder e que, entre a corporação e a classe social, um grupo de homens se define razoavelmente bem pelo seguinte: ele detém, em diversos graus, a linguagem da nação. Ora, durante muito tempo, provavelmente durante toda a era capitalista clássica, isto é, do século XVI ao XIX, na França, os proprietários incontestáveis da linguagem eram os escritores e somente eles; com exceção dos pregadores e dos juristas, fechados aliás em suas linguagens funcionais, ninguém mais falava; e essa espécie de monopólio da linguagem produzia curiosamente uma ordem rígida, menos dos produtores do que da produção (…).
O escritor é aquele que trabalha sua palavra (mesmo se inspirado) e se absorve funcionalmente nesse trabalho. A atividade do escritor comporta dois tipos de normas: normas técnicas (de composição, de gênero, de escritura) e normas artesanais (de lavor, de paciência, de correção, de perfeição). O paradoxo é que, como o material se torna de certa forma seu próprio fim, a literatura é no fundo uma atividade tautológica (…).?
?? (…) eis porque tão poucos escritores renunciam a escrever, pois isso significa literalmente matar-se, morrer para o ser que escolheram; e se esses escritores existem, seu silêncio ressoa como uma conversão inexplicável (Rimbaud).?
Há anos, converti-me à escrita (sei que essa conversão não me faz escritora, mas isso é uma outra história). Escrever foi o que sempre me deu vida. Escrevo para mim. E, plagiando uma escritora brasileira, escrevo para me manter viva. Não me importo de admitir que escrever é uma atitude egoísta, como bem percebeu Freud.
Como disse Roland Barthes, o escritor tem algo de sacerdote e a palavra do escritor é uma mercadoria entregue segundo circuitos seculares, ela é o único objeto de uma instituição que existe apenas para ela, a literatura.
Eis a minha conversão.
Está entregue.
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BARTHES, Roland. Escritores e escreventes. In: ____ Crítica e verdade. São Paulo: Perspectiva, s/d, pp. 31 a 36.
Sou um dos filhos da escrita também!
Aliás, estava pensando ontem que entrar numa livraria bem servida me transmite uma sensação quase sacra.
Apesar de hoje a situação não ser exatamente como a da França no período citado no primeiro parágrafo aqui, vale lembrar que os blogs abrem espaço para que esse monopólio de escrita seja cada vez menor!
Digo, por falar em situação sacra, como falei antes, este meu site é um ambiente sagrado para mim. Tenho me nutrido das visitas e dos comentários deixados pelos meus amigos… Isso tem sido enriquecedor… beijos, Aline
Roland Barthes deveria ter sido preso, é uma assassino da literatura. A escritura não é tautológica, ou mesmo teleológica, é mediadora, não é fim em si, não busa fins outros, apenas comunica a partir de si. Comunica sim algo maior que a própria estética, que é a vida. O ético não coincide com o estético. Abaixo o formalismo!
Calma, muita calma nesta hora… Não conheço Roland Barthes o suficiente para querer matá-lo, muito menos para acusá-lo de ‘assassino da literatura’… Até imagino o porquê de seu “abaixo o formalismo”. A verdade é que estou lendo “O prazer do texto” e tem me despertado bastante interesse. Quanto às afirmações dele publicadas neste post, gosto disto: “O escritor é aquele que trabalha sua palavra (mesmo se inspirado) e se absorve funcionalmente nesse trabalho.” Não estou voltada ao pensamento necessariamente formalista… Veja que ele cita Rimbaud. Grata pela visita! bjs, Aline