O DIREITO DE CALAR

(…) Palavras salvam, mas também nos deixam vulneráveis. Tudo o que falamos entra pelos ouvidos alheios e é retido numa espécie de caixa-forte que será reaberta na hora em que considerarem por bem nos culpar de alguma coisa. Lá estarão, guardadas como prova de delito, nossas inúmeras contradições, as ofensas ditas no calor de uma briga, as promessas de amor que não se cumpriram, os comentários ferinos que fizemos, as inconfidências, os vacilos, o que gaguejamos covardemente e o que confiamos aos outros na esperança de não sermos traídos (e tudo o que dissemos traindo a nós mesmos), os pensamentos que já não pensamos mais, os ideais que não se sustentaram, nossos palavrões e nossas medíocres palavrinhas, poucas delas alcançando a comunicação desejada e quase nenhuma chegando perto do que somos de verdade. (Martha Medeiros)

Até nos esforçamos para falar coisas mais positivas sobre a “criatura humana”. Às vezes, alguns leitores antipatizam o fato de “sermos” incrédulos quanto à “bondade do homem”. De fato, é importante dizermos que há pessoas “sublimadas”, gente de alma linda… Mas não gostamos da enganação de que esses seres são “anjos” ou “quase perfeitos”…

E, para aqueles que persistem em acreditar nos anjos terrestres, sugiro convivência freqüente com esses seres. De preferência, deixem-os à vontade. Somente assim eles poderão demonstrar o quanto são “gente”. Assim: iguaizinhos a nós! Sabem aqueles sentimentozinhos que acompanham as almas viventes, mas que só dominam os de maior displicência? Então, aquela arrogância em forma de sorriso, aquela inveja camuflada, aquela raiva, aquele ciúme, aquela palidez dos olhos falsos, aquelas mentiras ridículas. Aqueles lábios traiçoeiros e aquela língua ferina.

… pensando bem, sejamos mais simpáticos com o nosso “caro leitor”: há muitas auréolas e círculos luminosos por aí!

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MEDEIROS, Martha. O direito de calar. In: Coisas da vida. 7ª reimpressão. Porto Alegre: L&PM, 2008, p. 222.

4 Replies to “O DIREITO DE CALAR”

  1. Cada vez mais, você escreve divinamente bem. Esse texto me fez refletir sobre o atual momento: as eleições municipais propiciam aos mais incautos o limite máximo da intolerância para com as palavras. De fato, o direito de calar-me é a melhor solução. “Uma palavra” pronunciada jamais volta atrás. Abraços!

  2. De certa forma, estamos sempre voltando ao pó ao qual estamos destinado, e tal como um castelo de areia, nossas bondades sucumbem ao menor grau de dureza da vida. Mas a graças a Deus que está sempre molhando essa areia disforme!

  3. Ai, o texto foi tão cru e tão nu e tão verdadeiro que até dói.
    Mas apesar disso eu acredito nas asinhas escondidas. Nós podemos ser bons sim, mas não em todo tempo…quem tenta sooooooofre demais.

  4. Lendo essa sua postagem, lembrei-me de um pequeno trecho do Lewis que citei no meu blog, que fala justamente que, cedo ou tarde, as pessoas se mostram quem realmente são. Desculpas variadas surgem quando fazemos coisas censuráveis, quando “escorregamos”. Porém, na verdade, aquela atitude reprovável, muitas vezes, é a sua verdadeira personalidade. Vedadeiramente, convivemos com um impostor do nosso “eu”.

    O link do texto do Leiws segue abaixo:

    http://agnonfabiano.blogspot.com/2008/09/o-impostor.html

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