Na manhã de quarta-feira (9/11), uma de minhas irmãs me deu a notícia de que Gal Costa havia morrido, aos 77 anos. Ou seja, o Brasil perdeu a baiana Gal Maria da Graça Penna Burgos Costa (1945-2022), uma das vozes mais marcantes da Música Popular Brasileira (MPB). Desde a triste notícia, as redes sociais estão repletas de homenagens de artistas brasileiros e estrangeiros, como a cantora estadunidense Cat Power, que postou ontem em sua conta no Instagram um vídeo de Gal cantando “Relance”, na TV Record, na década de 1970, e escreveu: “Nós te amamos”.
Nasci em 1980, o que significa dizer que a minha infância e o início da minha adolescência foram vividos, inevitavelmente, ao som de Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Maria Bethânia, Gal Costa, entre outros nomes importantes de nossa música e da resistência ao autoritarismo e à insensatez da época. Seja por conta das rádios, dos programas de TV e das telenovelas ou influenciada pela playlist do meu pai, que tinha em casa vários discos de vinil de seus cantores e suas cantoras preferidas. Sorte minha!
Respeito muito minhas lágrimas
Mas ainda mais minha risada
Escrevo, assim, minhas palavras
Na voz de uma mulher sagrada
[…]
Vaca das divinas tetas
Teu bom só para o oco, minha falta
E o resto inunde as almas dos caretas
[…]
(Vaca Profana, canção de Caetano Veloso, mas agora lembrada na voz de Gal Costa)
Há duas décadas, em Brasília, comecei a ouvir com mais frequência e a pesquisar despretensiosamente cantoras e compositoras do Brasil e de outros países. Minha verve feminista sentia a necessidade de valorizar as mulheres artistas. Foi assim que conheci Cat Power, por exemplo, e comprei o primeiro álbum ao vivo da “Musa da Tropicália”, o Acústico MTV: Gal Costa, do show gravado no Memorial da América Latina, em São Paulo, em 1997, com participações de Herbert Vianna, Zeca Baleiro, entre outros.
Mesmo para quem não acompanhava a carreira da cantora, mas a julgar por toda reverência de artistas, jornalistas, pesquisadores da música brasileira e demais fãs e admiradoras do talento, da voz e das características únicas de Gal Costa, não é difícil compreender que ela influenciou gerações de homens e mulheres, especialmente mulheres. E é sobre sua ousadia e coragem que mais penso agora. Em plena ditadura militar, era preciso estar atenta e forte para apresentar-se com os seios de fora, expor-se de tanga numa capa de disco, sentar-se de pernas abertas tocando violão, exibir-se com seu cabelo black power, ou seja, ser livre… Acho isso fascinante!
Diante das várias homenagens destinadas a Gal, revi vídeos de algumas de suas apresentações mais emblemáticas dos anos 70 e 80. Canções como “Baby”, “Vaca Profana”, “Brasil”, “Força Estranha” e “Índia” são parte, inclusive, do meu repertório afetivo, de minha experiência na cidade onde nasci, no interior sergipano, bem ao extremo sul da Bahia, terra dos Doces Bárbaros. E essas lembranças musicais ajudam-nos a contar a nossa própria história, como o faço agora.
Até o momento, não sabemos a causa da morte de Gal Costa, exceto que ela estava se recuperando de uma cirurgia de retirada de um nódulo na fossa nasal direita, realizada em setembro deste ano. Mas gostaríamos que sua presença física continuasse conosco por mais décadas. De modo bem especial, estará. Afinal, é isto que grandes artistas fazem: permanecem e atravessam o tempo e a história. E que todo o resto inunde as almas dos caretas!


Leia mais…
Por que capa de álbum de Gal Costa foi censurada pela ditadura militar (UOL | Lívia Venaglia)
Gal Costa: a mãe de todas as vozes (Portal G1 | Carol Prado e Juliene Moretti)
Atenta e forte: os 77 anos de Gal Costa (Portal Catarinas | Daniela Valenga)
Gal Costa reuniu 200 mil pessoas no aniversário de 22 anos de Brasília; relembre (Correio Braziliense | Aline Brito)