[…] os povos do mundo deveriam exigir que se realizem investigações e se julgue aqueles que planejam fazer a guerra no corpo das mulheres. (Rita Segato, pesquisadora e antropóloga argentina)
Ela não sabia, nem nós
por Aline Menezes
Frequento a Universidade de Brasília (UnB) desde 2003. Lá, fiz cursos de inglês, espanhol, especialização, mestrado e agora doutorado. Em pouco mais de uma década, tive a sorte de conhecer professores e colegas inteligentes, adoráveis e íntegros, mas também tive a infelicidade de deparar com professores e colegas asquerosos, repugnantes, não apenas pela arrogância e (acreditem!) ignorância deles, mas porque alguns manifestam comportamentos bastante agressivos, desvirtuados e, na minha opinião, psicopáticos.
Gente de quem tenho medo, de egos inflados. Porque são indivíduos que, deliberadamente, machucam pessoas. Seres que, de propósito, agridem de alguma forma os discentes. Professores que assediam alunas. Docentes que constrangem alunos. Funcionários, orientadores, orientandos e monitores suspeitos. Gente que nunca me orgulhei de tê-la conhecido.
Vejo professores dos mais diversos posicionamentos políticos. E, claro, minhas afinidades são muito maiores com aqueles que defendem questões nas quais acredito e das quais não abro mão porque são assuntos que considero fundamentais para a formação de um país mais justo, menos desigual, menos preconceituoso, menos machista, menos misógino, menos racista e menos violento para todos, independentemente de origem, raça, cor, idade e orientação sexual.
Com o tempo, vamos aprendendo a “filtrar” tudo na vida. Isso não seria diferente na universidade pública, por exemplo. Vamos adquirindo, principalmente, autocrítica. Característica pouco comum num país como o Brasil, repleto de gente ignorante, mas não por ausência de títulos acadêmicos… Ignorante porque não busca compreender e avaliar a realidade, analisar os fatos, duvidar de suas próprias certezas e ponderar informações e opiniões. Gente ignorante porque se lambuza na própria hipocrisia e na fragilidade dos mesmos argumentos.
Estudo porque gosto. Porque acredito que a falta de conhecimento gera intolerância, violência e estupidez. Leio, estudo e pesquiso porque compreendo que o acesso a tudo isso me possibilita entender e interferir no mundo de um modo mais lúcido, talvez com menos equívocos.
Não estudo para “ser alguém na vida”. Pois isso significaria concordar que quem não estuda não é ninguém. Ou que a minha legitimidade como pessoa estaria dependente dos estudos formais. E eu, particularmente, odeio reforçar discursos elitistas como esse. Jamais direi para qualquer menina, por exemplo: “Estude para ser alguém no futuro!”. Mas isto: “Estude sempre para não ser enganada!”.
Escrevi tudo isso para simplesmente dizer que é provável que eu já tenha cruzado com Louise Ribeiro nos corredores da UnB. A estudante de Biologia e minha conterrânea, covardemente assassinada pelo colega de curso, não sabia que teria o seu direito de continuar existindo brutalmente negado. Ela não sabia que seria, dentro da universidade, mais uma vítima da violência fundamentada na misoginia e, possivelmente, na psicopatia.
Louise não sabia que, dentro de um laboratório, aquela seria a sua última experiência de vida. Louise não sabia que, ainda dentro da UnB, o seu corpo seria descartado num saco para ser posteriormente abandonado. Louise não sabia que o seu assassino, Vinícius Neres, seria o mesmo rapaz que postava “coisas engraçadinhas” no Facebook e a marcava para chamar a sua atenção.
Louise não sabia que a pessoa que faria tudo isso seria aquela que mantinha no currículo tantas atividades acadêmicas e que seria o mesmo aluno que se apresentava no Lattes como tendo “experiência em ambiente laboratorial e conhecimento em segurança em laboratórios”. Louise não sabia que, ironicamente, ele tinha razão.