injustice

A violência, seja qual for a maneira como ela se manifesta, é sempre uma derrota. (Jean-Paul Sartre)

A injustiça dos justiceiros
por Aline Menezes

Não é preciso ver as imagens do linchamento e morte de Fabiane Maria de Jesus para nos posicionarmos contra a estupidez, a brutalidade e a violência praticadas recentemente por dezenas de moradores do Guarujá, no litoral paulista. Também não é necessário acompanhar pelos vídeos divulgados nas redes sociais o momento em que a dona de casa foi agredida, arrastada, espancada, xingada e acusada injustamente de ter sequestrado crianças para rituais de “magia negra”. Sequer precisamos relembrar o discurso lamentável de quem quer que seja, reproduzido na TV sob o falso e perigoso argumento de que estamos todos cansados de tanta impunidade no Brasil.
Para mim, o episódio que envolve o assassinato brutal de Fabiane (assim como o daquele torcedor que jogou um vaso sanitário contra outro torcedor) representa tantas coisas e nos diz tanto sobre o que somos e que tipo de percepção temos acerca dos nossos dilemas e de nós mesmos. É tanta reação violenta querendo justiça, tanta gente desonesta cobrando honestidade, tanta gente mentirosa pregando a verdade, tanta gente criminosa postando na Internet afirmações indignadas… Sem, ao menos, averiguarem os fatos, pessoas se vestem de justiceiras e atacam uma mulher na rua e a matam de modo cruel. Ainda que elas estivessem diante de uma criminosa, quem estaria autorizado a condená-la?!


A julgar pelos comentários que circulam diariamente em alguns dos perfis no Facebook, por exemplo, vejo como pensam as pessoas que justificam atos violentos para combater a violência. Seguidores do raciocínio estreito, gente incapaz de discutir com sobriedade e clareza os problemas que enfrentamos historicamente; gente que repete irrefletidamente discursos racistas, homofóbicos, preconceituosos, agressivos e que ainda invertem e distorcem o que realmente importa. Gente que, igualmente sob a ira manifestada por aqueles moradores do Guarujá, comete crime, violenta, brutaliza, de modo estúpido e excessivamente cruel. 

Sabe essa história de que somos todos macacos?! Somos não. É um acinte aos primatas. Não façamos isso com orangotangos, gorilas ou chimpanzés. Vamos deixá-los em paz. Não sejamos vulgares. Vamos assumir o que realmente somos, para que talvez assim possamos encarar situações tão graves quanto as que ocorrem nos gramados, nas ruas, nos postes ou dentro da sua própria casa. Vamos assumir o que realmente somos, para que talvez assim possamos encarar a gravidade de tudo isso.

O espancamento de Fabiane é o símbolo extremo do tipo de justiça que muitos brasileiros parecem querer. É a revelação e a negação do quanto não somos todos macacos. Afinal de contas, somos quase todos muito mais que selvagens.

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