garden

A arte existe porque a vida não basta. (Ferreira Gullar)

Sobre os jardins da cidade urino pus
por Aline Menezes

Não gosto de ambientes que tenham a pretensão de vender felicidade e satisfação. E não gosto disso por duas razões simples: eles são constrangedores e todos são descaradamente iguais. 

Em lugares como esses, por exemplo, se pensarmos nos shoppings centers (há vários outros tipos de ambientes cuja pretensão é a mesma), ao olharmos pelas vitrines das lojas e avistarmos uma peça feminina no valor de R$ 850, de design e tecido simples, que poderia ter sido costurada pela minha avó (não estou com isso dizendo que as costuras da minha avó não mereceriam ser mais valorizadas ou que não poderiam ser sofisticadas), percebo o funcionamento das coisas e, quase involuntariamente, sinto-me fracassada diante dos ideais nos quais acredito e pelos quais luto.
Mas eu frequento shoppings (é neles que marco alguns dos encontros com amigas e amigos: nas livrarias, nos cinemas ou nos cafés). São nesses locais onde observo que muitos simulam a perfeição e também exalam o perfume do cinismo de nossa sociedade e da precariedade de nossa existência.


Sinto-me fraca e impotente diante das vitrines, pois são lugares assim que insistem em querer me convencer de que o meu salário é vergonhosamente baixo (quando, na verdade, há também uma lógica perversa por trás de nossas pretensões salariais), que todas as minhas roupas cabem num porta-malas pequeno, que lamentavelmente os meus cabelos não estão escovados e pintados, que vestir manequim na casa dos 40 é um problema sério e que eu deveria ter mais pares de sapatos ou pelo menos mais botox na cara. Afinal de contas, não se chega aos 30 sem uma ruga na testa. E que terrível isto: uma ruga na testa! Mas, lamento dizer, no final das contas, eu vou sempre preferir um poema sujo…

Eu realmente não gosto de nada que tenha a pretensão de vender felicidade e satisfação. Ainda mais se esses lugares tiverem sido construídos na tentativa de me usurparem o essencial da vida. Porque, não nos enganemos, há flores que – apesar de compradas – enfeitam apenas os mortos.

2 Replies to “garden”

  1. Olá… poderia ter um botão de “Curtir” para que pudéssemos compartilhar nas redes sociais.

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