FAZ-ME RIR, HOMO SAPIENS!

[…] Para as pessoas sem talento, mas pretensiosas, não resta outra coisa senão criticar os verdadeiros talentos. (Irina Nikoláievna Arkádina, em A gaivota, de Anton Tchekhov)

Não há limites para as fragilidades e imperfeições humanas. Rio por dentro quando pessoas fingem ser simpáticas, solidárias, bondosas e infinitamente generosas. Sim, fingem. O que realmente somos não se mede nem se prova (ou comprova) por aquilo que externamos. Claro: o que de fato somos está dentro e, uma hora ou outra, transbordará. Porém, nem tudo que “transborda” como “coisas boas” é tão verdadeiro quanto parece. E nem tudo de bom que temos ou somos chega tão evidente aos olhos do outro. Daí as injustiças dos julgamentos precipitados.

Creio na existência de pessoas com boa disposição para serem honestas, lúcidas e, acima de tudo, íntegras. São seres capazes de perceber a pequenez do homem, porém, não se apequenam com isso. Pessoas que reconhecem suas próprias imperfeições, mas nem por isso se acomodam. Sim, tenho certa predileção por comentar o que temos de mal e mau. E ser assim não me provoca nenhuma culpa. Alguns aprendem nas Escrituras que, não fosse a genuína graça de Deus, o caos se instalaria em nós até os ossos.

Às vezes, preferimos silenciar o que pensamos por medo de sermos incompreendidos ou mal interpretados. Ora, pensar assim, até certo ponto, parece-me sensato. Mas, se tomado como regra diária e geral, transforma-nos em cínicos e covardes, seres incapazes de correr o risco de provocar, mesmo sem intenção, o desconforto e a antipatia de determinados grupos. Afinal de contas, só os tolos e inseguros tentam agradar a todos. Somente os ingênuos ou dissimulados agem assim. Porque não suportam (nem comportam) a ideia de não parecerem “perfeitos”.

Pessoas se irritam quando não nos preocupamos em bancar ou sustentar a boa imagem. Quando não nos obrigamos a corresponder às expectativas do outro. Ora, estejamos seguros do que somos e não viveremos frustrados, amargurados. Não devemos sufocar nossa rebeldia e nosso desejo de andar na contramão deste mundo líquido, só porque nos chamarão gauche. Quem se importa?

Somos bonequinhos de luxo: contemplamos a beleza exterior, tomamos café em frente à famosa joalheria…

… Mas tudo não passa de ambição e futilidades.

6 Replies to “FAZ-ME RIR, HOMO SAPIENS!”

  1. Super sábia dona Aline! Amei o texto! Muito bom mesmo. Li várias vezes.
    Isso parece coisa de quem faz terapia e vai se libertando das amarras que a gente mesmo fez ou os outros fizeram.
    Eu sou assim, procuro não causar confusão por medo de desagradar e porque sempre acho que não devo me meter na vida do outro, mas não me acho nada boazinha.

  2. Gostei. Algumas dessas observações/exortações já me ocorreram. Acho que tem que haver bom senso entre silenciar e sermos nós mesmos. Acho que ninguém deve se impor a outro.

  3. O mundo é feito para as médias (da qual a palavra medíocre compartilha a família). Que o digam os acima (ou abaixo!) da média: os altos, os baixos, os gordos, os extremamente magros, os _____ (encaixe aqui qualquer coisa que não seja a média).

    C.S. Lewis (sempre ele!) manifestava em seus escritos o temor de que, em um ambiente dito ‘democrático’ crianças que tivessem um conhecimento melhor fossem desistimuladas nos seus estudos por sua excelência incomodar os alunos medianos. Aliás, os apelidos que aqueles particularmente estudiosos recebem são um sinal de que seu desempenho fora da média ofende.

    E hoje em dia, me parece, se não estiver enganado, que nossa sociedade (ou seja lá o que for!) não favorece o desenvolvimento de uma identidade individual, e a voz do grupo muitas vezes faz calar a voz do indivíduo, e a voz do indíviduo que é calada, pode muito bem ser tão somente a voz da consciência. Tudo colabora pra que, em certo sentido, só possa haver um. E essa unidade não é celestial, mas é nascida na profundeza dos infernos. E pode acontecer que depois do indivíduo ter tentado tantas vezes adequar sua voz a voz do grupo, comece a pensar que sua voz esteja de fato errada, e comece a pensar nas categorias do grupo e da imagem.

    A questão da imagem se torna cada vez mais essencial hoje em dia, tanto que para muitas pessoas a maior perda não seria mais a financeira, espiritual, pessoal ou emocional, mas é a perda da imagem dela na sociedade.

    Não nos esqueçamos que nossa redenção passa pelo Redentor nu numa cruz.

  4. Belo texto! Fez-me lembrar de um trecho do Lewis (sempre ele mesmo, Walter!) que postei há algum tempo. Parte dele diz assim:

    “Posso contro­lar meus atos em certa medida, mas não tenho controle direto sobre meu temperamento. Se o que mais importa é o que somos, não o que faze­mos; se, com efeito, o que fazemos é importante sobretudo na medida em que revela o que somos, a con­clusão inescapável a que chego é que a mudança mais urgente a que devo me submeter é uma mudança que meus esforços diretos e voluntários não podem realizar.[…] Depois dos primeiros passos na vida cristã, nos damos conta de que tudo o que realmente precisa mudar na alma só pode ser feito por Deus.”

    Um abraço.

  5. Oiee, belo texto! Fico a pensar quão tolo é o homem, e quão tolo sou eu por me encaixar em algumas dessas situações. ESpero um dia chegar a estatura de varão perfeito…

  6. Marconiedes Araújo says: Responder

    Belíssimo texto!

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