“Quando à noite desfolho e trinco as rosas” (por Aline Menezes)

“Quando à noite desfolho e trinco as rosas”
por Aline Menezes

Uma parte de mim está perplexa; a outra, aliviada. Repouso porque não estou só, muito menos renegada. Sinto-me acolhida por aquela gente que nos humaniza por meio da arte, da literatura, da música, da poesia, da dança, da lucidez, do respeito à diversidade de crenças, de raça, de orientação sexual, de gênero, de classe social. Sinto-me acolhida por todos(as) que me antecederam em luta e por todos(as) com quem seguirei daqui em diante. Aprendi a resistir. E a não negociar a minha dignidade, a minha integridade e o que sou. Uma parte de mim está perplexa; a outra, aliviada. Repouso quando sei que as minhas irmãs e os meus pais não afagam o escárnio dessa gente vulgar, que ora em voz alta, pra abafar o grito de sua perversão. 

Do ateísmo do meu pai à credulidade da minha mãe, herdei o meu próprio caminho. Com a coragem de quem enfrenta a vida de cabeça erguida, sem sujeitar-se à incivilidade, à hipocrisia, à ignorância, à violência, à estupidez, à heresia, travestida de versículos bíblicos numa mão e de Constituição na outra. Uma parte de mim está perplexa; a outra, aliviada. Pela primeira vez, perder é o mesmo que se orgulhar por ter estado do outro lado do caminho, da estrada, do espinho. Luto é maior que substantivo e muito mais que verbo. Luto é o que modula a nossa voz para o melhor tom da resistência. Uma parte de mim está perplexa; a outra, emancipada.

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Texto escrito por ocasião do resultado das Eleições 2018.

Foto: “Opened book tree root”, disponível no Pexels.

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