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A culpa é de quem?
por Marcos Fabrício Lopes da Silva*

É assustador saber que, no Brasil, não é ponto pacífico erradicar a pobreza, empoderando quem se encontra à margem do processo de desenvolvimento do país. É extremamente preocupante acompanhar pensamentos que defendem privilégios e ignoram direitos. Nesse sentido, Giuliana Ortega, diretora executiva do Instituto C&A, no artigo “Oportunidades na cultura de doação” (Estado de Minas, de 14/7/2006), defende uma tortuosa linha de raciocínio, a saber: “Na década passada, por exemplo, a vitalidade econômica do país e o aumento do poder aquisitivo das classes mais pobres acabaram por induzir organismos multilaterais e de cooperação, bem como as fundações internacionais, a direcionarem para outros países recursos que antes vinham para o Brasil”.

Culpar os pobres por falta de investimento no país representa não só a falência da crítica, mas também a prática da razão cínica. É preciso responsabilizar a elite que dirige a Nação, com vícios seculares de patrimonialismo, clientelismo e autoritarismo. Falta administração democrática para colocar o Brasil nos trilhos da responsabilidade social e do desenvolvimento sustentável. Vivemos uma crise de liderança que oprime a participação popular. O governo erra na escolha das prioridades, e o desastre econômico se confirma perigosamente como doença crônica, advinda de gestões precipitadas com acertos paliativos e erros crassos: “em 2015, gastamos R$ 450 bilhões com o Regime Geral da Previdência Social e R$ 300 bilhões para a Educação de Base. Preferimos Olimpíadas e Copa a gastos com ciência e tecnologia”, adverte o professor emérito da UnB e senador pelo PPS-DF, Cristovam Buarque, no artigo “Braxit, fuga do futuro” (Correio Braziliense, de 05/07/2016).

Não somos a Pátria Educadora, somos a Pátria Repetidora: “temos cerca de 2,8 milhões de crianças e adolescentes fora da escola, sendo mais de meio milhão vítimas do trabalho infantil. Metade de nossas crianças terminam a 4ª. série do ensino fundamental sem saber ler e escrever corretamente; grande parte de nossas escolas não possuem bibliotecas qualificadas ou projetos de leitura. Não é de se admirar, portanto, que mais de 500 mil candidatos tenham obtido nota zero na redação do Enem. Apenas 54% das crianças que ingressam no ensino fundamental conseguem concluir o ensino médio até os 19 anos”, lamenta o ex-ministro da Educação, no primeiro governo do presidente Lula.

Devido à nossa tradição autoritária, podemos ver que o Estado brasileiro tem como característica histórica predominante sua dimensão neopatrimonial, que é uma forma de dominação política gerada no processo de transição para a modernidade com o passivo de uma burocracia administrativa pesada e uma “sociedade civil” fraca e pouco articulada. O Brasil nunca teve uma nobreza digna deste nome, a Igreja foi quase sempre submissa ao poder civil, os ricos geralmente dependeram dos favores do Estado e os pobres, de sua magnanimidade. Não se trata de afirmar que, no Brasil, o Estado é tudo e a sociedade é nada. O que se trata é de entender os padrões de relacionamento entre Estado e sociedade, que no Brasil tem se caracterizado, através dos séculos, por uma burocracia estatal pesada, todo-poderosa, mas ineficiente e pouco ágil, e uma sociedade acovardada, submetida mas, por isto mesmo, fugidia e frequentemente rebelde.

Economicamente, o Brasil investe pouco mais de 6% do seu PIB em educação. Acontece que o valor gasto anualmente por estudante ainda é baixo, pouco mais de R$ 6 mil por aluno. Ademais, o gasto com educação básica no Brasil equivale a ¼ do gasto por estudante realizado com a educação superior. O magistério segue desvalorizado. A última estimativa do MEC apontou uma carência de 170 mil docentes nos níveis fundamental e médio no país. Não seremos uma nação desenvolvida enquanto não tivermos um sistema público de ensino de qualidade, capaz de oferecer igualdade de oportunidade para todas as crianças, independentemente do seu endereço ou da renda de seus pais.

Fazemos a diferença, cultivando a indiferença. O brasileiro tornou-se gradativamente menos dependente de padrões absolutos de conduta, de ideais coletivamente unidos. Tornou-se tão completamente livre que não precisa de padrões, exceto o seu próprio. Paradoxalmente, contudo, esse aumento de independência conduziu a um aumento paralelo de passividade. O “eclipse da razão”, como diria Max Horkheimer (1895-1973), vem impedindo a formação integral dos educandos. Ainda alerta o filósofo, no livro Eclipse da razão (1947), que a “nossa espontaneidade foi substituída por uma disposição de espírito que nos obriga a descartar-nos de qualquer emoção ou ideia que possa diminuir nossa atenção às exigências impessoais que nos assaltam”.

No Brasil, o princípio de dominação tornou-se o ídolo ao qual tudo é sacrificado. A educação historicamente vendo sacrificada para sustentar os princípios falaciosos da elite dominante e dos seus agregados. Em oposição à ditadura, possui a democracia uma só tarefa – libertar o espírito criador do homem. Isso significa que, nas dimensões individual, cidadã e profissional, a educação deve priorizar a formação de indivíduos empoderados e autônomos, cidadãos críticos, éticos e participativos, e profissionais competentes e sincronizados com um mundo em permanente mudança. Para tal, além de trabalhar os conteúdos técnicos de determinados campos de atuação profissional, é preciso também estimular o desenvolvimento de capacidades que permitam à população esclarecida refletir criticamente sobre a realidade que a circunda, instrumentalizando-a para que, entre outras muitas habilidades, possa interagir socialmente em contextos multiculturais. Assim perceberemos, com nitidez e dignidade, o responsável pela nossa ruína. No caso, a nossa ignorância de como agir em comum.

* Professor das Faculdades Ascensão e JK, no Distrito Federal. Jornalista, poeta e doutor em Estudos Literários pela Faculdade de Letras da UFMG.

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Foto: “Row of books in shelf”. Disponível no Pexels.

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