coldness

Uns dias frios
por Aline Menezes*

No semáforo, na fila do banco, num restaurante, num café ou aguardando ser atendida em algum lugar, observo as pessoas: o casal no sábado à noite distrai-se, individualmente, nas telas de seus celulares; o pai que sai para passear com o filho não presta atenção na criança porque está entretido sozinho; a família na pizzaria não está em família, pois cada um parece estar isolado entre selfies, mensagens instantâneas, fotografias dos pedaços da pizza e muitas poses para exibir a “união sagrada”; os quatro amigos que estão na livraria, quase mudos, concentram-se em seus iPhones, sem que nenhum deles fale uns com os outros; a moça da casa lotérica me atende conferindo as mensagens que não param de chegar do WhatsApp…

Essas cenas, agora tão cotidianas, fizeram-me lembrar um período em que eu andava muito absorvida pelo ritmo de vida que nos obrigam a viver. Correndo entre muitos afazeres, parei surpresa quando vi uma infinidade de ipês amarelos espalhados pela cidade. Fiquei alguns minutos me perguntando: onde eu estava que não vi isso nos últimos anos?! Aquele simples episódio, a exemplo das epifanias de personagens literárias, serviu de alerta para muitos outros questionamentos. Foi quando decidi que não queria mais me adequar, numa espécie de grito: “não vou me adaptar!”.

Na minha trajetória acadêmica, por exemplo, tenho encontrado um número cada vez maior de egos inflados. Professores, orientadores e colegas adotam posturas arrogantes e estúpidas como recurso para afirmarem os seus ares de “superioridade” ou “genialidade”. Alunos transitam pelos corredores da universidade acreditando que suas notas, apresentações em simpósios, idas a congressos nacionais e internacionais ou publicações de artigos determinam o que eles são ou o potencial individual das pessoas. Iludidos sobre si mesmos e sobre os demais, muitos vivem o engano de que a vida acadêmica deve ser exatamente dessa forma. Com isso, reproduzem ações e comportamentos que anulam a criatividade e a solidariedade uns dos outros.

Sobre esse assunto, a cientista social e antropóloga Rosane Pinheiro-Machado, no artigo “Precisamos falar sobre a vaidade na vida acadêmica” (CartaCapital, 24/2/2016), escreve: “Hoje, como professora, tenho preocupações mais sérias com estes alunos que acreditam que os colegas são brilhantes. Muitos deles desenvolvem depressão, acreditam em sua inferioridade, abandonam o curso e não é raro a tentativa de suicídio como resultado de um ego anulado e destruído em um ambiente de pressão, que deveria ser construtivo e não destrutivo”.

Na contramão de tudo isso, busco assentar minhas ideias e os meus ideais no ritmo que considero válido e essencial para mim no ambiente acadêmico e na atividade intelectual, carregando minhas angústias particulares, minhas dúvidas pessoais, minha experiência diária no mundo e o que aprendo de tudo isso. É certo que há um preço alto que pagamos quando nos recusamos ou rejeitamos subordinar a nossa vida em seu sentido mais profundo (física, emocional, mental e espiritualmente) ao modo como tudo é conduzido no dia a dia ou na academia, espaço por vezes fraudulento e ocupado por gente boçal, medíocre ou psicopata.

Nestes dias frios, de uma frieza que me adoece, que me faz perder noites e noites de sono, que me angustia porque estamos sendo cada vez mais violentos e agressivos uns com os outros, respiro devagar. Tento encontrar razões para manter a fé e a esperança na vida. Para acreditar que, de alguma maneira ou de algum modo, todos iremos compreender o que realmente nos importa. Tento fazer dos meus dias um ato revolucionário: não viver a vida que querem que eu viva, mas aquela que faz sentido eu viver.

No outro lado da história, tenho a oportunidade de conhecer pessoas igualmente preocupadas em resistir. Vejo amigos, professores e colegas seguindo um caminho de reflexões e questionamentos sobre o próprio espaço que ocupam. Sinto-me grata quando participo de eventos acadêmicos cujo debate não é performático, mas honesto, maduro e que nos faz pensar, mas não o pensamento do tipo que nos torna proprietários dos autores e dos conceitos, como se o conhecimento estivesse limitado às nossas áreas de atuação, como se biólogos e engenheiros não pudessem ser poetas ou como se a ciência não pudesse ter poesia…

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*Aline Menezes é jornalista e doutoranda em Literatura e Práticas Sociais pela Universidade de Brasília (UnB).

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