A emoção e a razão (por Marcos Fabrício)

A emoção e a razão
por Marcos Fabrício Lopes da Silva*

“Quando lidares com pessoas, lembra-te que não estás a lidar com criaturas de lógica mas, sim, criaturas de emoção” (Dale Carnegie, 1888-1955). As emoções encontram-se presentes em todos os momentos da nossa vida. Diversos têm sido os investigadores da área científica que procuraram desenvolver a melhor definição para o conceito de emoção. Assinale-se que, contudo, nem sempre as emoções tiveram relevância na área da investigação científica, sendo muitas vezes relegadas para um plano secundário e não científico. Só mais tarde é que investigadores conceituados da área da psicologia, como Jean Piaget (1896-1980), Lev Vigotsky (1896-1934) e Henri Wallon (1879-1962), vieram confirmar a tese de que existe uma ligação estreita entre a emoção e a razão.

De acordo com a teoria de Piaget, a afetividade, que abrange tanto as emoções como os sentimentos, apresenta-se como “o fator energético dos padrões de comportamento cujos aspetos cognitivos se referem apenas às estruturas. Não existe padrão de comportamento, por mais intelectual que seja, que não compreenda padrões afetivos”. Só a partir da afetividade é que poderá existir interesse e motivação da parte da criança em compreender a informação transmitida, tendo, segundo o autor, grande influência no processo de ensino-aprendizagem. Dentro da mesma linha de análise, Vigotsky, conhecido por defender que não existe desenvolvimento que não seja influenciado pela interação social, defende a mesma teoria, argumentando que a afetividade e as emoções, como fatores motivacionais, é que vão permitir a formação do pensamento do ser humano.

Também Wallon, tendo por foco a teoria de Darwin (1809-1882), defende que o ser humano é um ser essencialmente emocional, revelando-se a emoção como o maior vínculo entre dois indivíduos, detendo um papel crucial no desenvolvimento do ser humano. Este investigador defende que existe efetivamente uma relação entre razão e emoção e que a capacidade de exprimir e sentir as emoções faz parte dos mecanismos da razão, sendo que sem estas, o desenvolvimento do ser humano ficaria naturalmente comprometido.

Cabe-nos agora procurar compreender o significado concebido para o conceito atual de emoção. É através dos sentimentos, que são dirigidos para o interior e são privados, que as emoções, que são dirigidas para o exterior e são públicas, iniciam o seu impacto na mente, querendo isso dizer que as emoções são públicas, ou seja, são voltadas para o exterior, e os sentimentos são privados e subjetivos, ou seja, voltados para o interior do ser humano. “O limite de sua linguagem é o limite de seu mundo”. Sustentando essa proposição, a linguagem é concebida como forma do conhecimento, e a palavra adquire sentido na dinâmica de seu uso. É necessário apelar para Aristóteles (384 a.C. – 322 a.C.): a definição se faz pelo gênero próximo e pela diferença última. Exemplo: o homem é um animal racional. O gênero próximo é o animal; a diferença última é o racional.

Argumentar é expressar razões sobre o que pensamos ou fazemos. Assim, compreender a argumentação é importante tanto para formularmos boas razões para as afirmações proferidas, quanto para avaliarmos as razões fornecidas por outros sobre suas ideias e ações. Saber argumentar e avaliar argumentos são, então, habilidades importantes em várias esferas de circulação humana. Se, por um lado, argumentar contribui para o indivíduo organizar seu pensamento e expressar a sua vontade; por outro, é por meio da prática pública da argumentação que comunidades comunicacionais são forjadas e que se torna possível estabelecer os consensos necessários a uma vida em sociedade.

A partir do referencial psicológico de Deanna Kuhn: “É no argumento que nós podemos encontrar a maneira mais significativa na qual o pensamento e o raciocínio figuram na vida de pessoas comuns. Pensamento como argumento está implicado em todas as crenças que as pessoas têm, nos julgamentos que elas fazem e nas conclusões que elas tiram”. A argumentação também se apresenta como um processo de negociação em defesa de um ponto de vista, incorporando a dúvida como maneira de manifestação de uma opinião. O argumento pode ser concebido tanto como um processo – no qual as pessoas se engajam em debater afirmações contraditórias ou opostas – quanto como um produto – uma linha de raciocínio que justifica uma afirmação. Ambos se inter-relacionam, já que os processos de sustentar ou refutar a afirmação estão embutidos no argumento como produto: “Tá legal/Eu aceito o argumento/Mas não me altere o samba tanto assim/Olha que a rapaziada está sentindo a falta/De um cavaco, de um pandeiro/Ou de um tamborim/Sem preconceito/Ou mania de passado/Sem querer ficar do lado/De quem não quer navegar/Faça como um velho marinheiro/Que durante o nevoeiro/Leva o barco devagar” – aconselha o músico Paulinho da Viola, em Argumento (1975).

No contexto em questão, a palavra “diálogo” não é entendida como consenso, mas como reação do eu ao outro. O diálogo, no sentido amplo de toda a comunicação verbal e não verbal, envolve uma atitude responsiva dos interlocutores, revelando suas tomadas de posições, que exige a compreensão dos enunciados e da pluralidade de vozes presentes neles.

Para o sucesso de um entendimento, o filósofo e jornalista Hélio Schwartsman destaca a importância de um norte educativo essencial. Ele se refere ao “princípio da caridade” e acrescenta: “O nome não é muito bom, já que evoca esmolas e favores, mas a ideia é das mais interessantes. E o que diz o princípio da caridade? Ele diz que, no curso de uma discussão intelectual, devemos conceder às declarações analisadas a mais generosa interpretação possível. Isso significa que devemos tratá-las em princípio como racionais e bem-intencionadas. Só poderemos considerá-las falaciosas e malévolas quando não houver outra leitura possível” (Folha de S. Paulo, 18/01/2022).

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* Marcos Fabrício é professor, jornalista, poeta e doutor em Estudos Literários pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

|| Este artigo foi publicado na p. 3, edição nº 42, Ano XI, do Jornal Rima – DF, da Academia Planaltinense de Letras, Artes e Ciências (Aplac), referente ao trimestre abril, maio e junho de 2022.

Fonte da imagem que abre o texto: The Atlantic.

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